"Experimentem,
ao menos uma vez - em todo lado devem conseguir avistar uma árvore ou
pelo menos um bom pedaço de céu. Não tem de ser um céu azul, a luz do
sol arranja sempre qualquer outra maneira de se fazer sentir.
Habituem-se a olhar o céu durante uns instantes todas as manhãs e de
súbito passarão a sentir o ar em vosso redor, a brisa da frescura
matinal que vos é oferecida (...). Dediquem alguma atenção a esses
pormenores e verão como o resto do dia decorrerá de um modo aprazível,
depois desses momentos de comunhão com a natureza. Pouco a pouco e sem
grande esforço, o olho aprende por si mesmo a fornecer diversos pequenos
estímulos, aplica-se na contemplação da natureza, das ruas, a apreender
a inesgotável comicidade das nossas pequenas vidas. Daí até se ter um
olho artisticamente treinado está já meio caminho andado, o mais
importante é o início, é começar por abrir os olhos.
Um pedaço de
céu, um muro de jardim de onde pendem ramos verdes, um cavalo de aspecto
garboso, um cão bonito, um grupo de crianças, a cabeça de uma mulher
formosa - não vamos privar-nos de contemplar tudo isso. Quem já deu o
primeiro passo poderá ao longo dessa estrada apreciar coisas
maravilhosas sem perder um minuto que seja do seu tempo. Esta
contemplação não provoca qualquer fadiga, pelo contrário, fortalece e
refresca, e não apenas os olhos. Todas as coisas possuem uma faceta
digna de se ver, até as mais desinteressantes e feias; para tanto, basta
querer ver.
E, com a visão, vem a alegria, o amor, a poesia."
Hermann Hesse, 'Da Felicidade'
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