3 de janeiro de 2014

“- Veja, mãezita, escrevi esta cartinha para Deus.
- Não se escreve para Deus, minha filha.
- E porquê?
O pobre Deus, explicava Dona Constança, sofria de vista cansada, exaurido pelos peditórios infinitos.
- A mãe pode ler?
- Não quero.
- Posso ler em voz alta?
Também não. Os pedidos verbais, fora da oficial oração, não têm validade legal. Ela que rezasse, como mandavam as escrituras.
E tudo se repetia, sempre igual, até que, certa vez, Constança puxou a menina pelos braços, convidando-a com gentileza a sentar-se no chão. Partiu um galho de arbusto e solicitou, apontando a areia:
- Escreva aí!
- Escrever o quê?
- Qualquer coisa, um nome, o seu, o meu, qualquer…
- A moça hesitou. Escrever no chão? A mãe, por fim, se explanou:
- É que eu só sei ler na areia.
Tinha sido ali, no pátio da velha casa, que ela havia recebido lições do abecê. A terra tinha sido o seu quadro-negro, o quintal tinha sido a sua escola. Mwadia sorriu, fingindo acreditar. A mãe insistiu.
- Escreva na terra, filha. A terra é a página onde Deus lê.”

Mia Couto em O Outro Pé da Sereia
Imagem: A Sud del Mondo
“- Veja, mãezita, escrevi esta cartinha para Deus.
- Não se escreve para Deus, minha filha.
- E porquê?
O pobre Deus, explicava Dona Constança, sofria de vista cansada, exaurido pelos peditórios infinitos.
- A mãe pode ler?
- Não quero.
- Posso ler em voz alta?
Também não. Os pedidos verbais, fora da oficial oração, não têm validade legal. Ela que rezasse, como mandavam as escrituras.
E tudo se repetia, sempre igual, até que, certa vez, Constança puxou a menina pelos braços, convidando-a com gentileza a sentar-se no chão. Partiu um galho de arbusto e solicitou, apontando a areia:
- Escreva aí!
- Escrever o quê?
- Qualquer coisa, um nome, o seu, o meu, qualquer…
- A moça hesitou. Escrever no chão? A mãe, por fim, se explanou:
- É que eu só sei ler na areia.
Tinha sido ali, no pátio da velha casa, que ela havia recebido lições do abecê. A terra tinha sido o seu quadro-negro, o quintal tinha sido a sua escola. Mwadia sorriu, fingindo acreditar. A mãe insistiu.
- Escreva na terra, filha. A terra é a página onde Deus lê.”

 
 
Mia Couto em O Outro Pé da Sereia

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