Despalavrizar
Sabe quando percebi que as palavras nem faziam tanta falta?
Quando precisei delas para descrever textura da solidão de um entardecer com chuva.
Daí comecei a reparar no barulhão que as folhas das árvores fazem
quando a gente vai dormir triste, tentando nos avisar que tem muita vida
lá fora ainda.
Reparei também que às vezes no fim da tarde as andorinhas fazem um balé tentando nos impressionar.
Nem reparava que haviam plantas nascendo nas rachaduras das calçadas da rua, sempre me avisando para não desistir.
Gosto de pensar que precisamos criar mais palavras do bem
As atuais estão tão em desuso, e já que tudo é moda...
Queria poder usar o vocabulário dos bebês. Não tem nada mais original
Não tem verbo, nem substantivo, mas tem sentimento, tem vontade, tem verdade...
Acho que os passarinhos não gostam como as palavras estão sendo usadas
Nem as folhas, nem os riachos
Mas então se tudo der errado, vamos despalavrizar o mundo?
Como numa brincadeira de criança, só vamos usar gestos?
Só vamos usar feições do rosto?
Assim vamos animalizar o mundo e nos comunicar com gestos e sentimentos.
Quem sabe assim precisaremos menos de palavras?
Quem sabe assim teremos mais contato.
Quem sabe assim aprendamos a linguagem dos do mato, dos bichos.
Que não precisam de poesia.
Eles são poesia...
Alam Tombini