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Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer
espécie de vida e continuar a mesma. Até cortar os defeitos pode ser
perigoso – nunca se sabe qual o defeito que sustenta nosso edifício
inteiro…há certos momentos em que o primeiro dever a realizar é em
relação a si mesmo. Quase quatro anos me transformaram muito. Do momento
em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas
coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma em boi. Assim
fiquei eu… para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas
repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus grilhões – cortei em mim a
forma que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também
a minha força. Ouça: respeite mesmo o que é ruim em você – respeite
sobretudo o que imagina que é ruim em você – não copie uma pessoa ideal,
copie você mesma – é esse seu único meio de viver. Juro por Deus que,
se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia ia ser
punida e iria para um inferno qualquer. Se é que uma vida morna não é
ser punida por essa mesma mornidão. Pegue para você o que lhe pertence, e
o que lhe pertence é tudo o que sua vida exige. Parece uma vida amoral.
Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma.
Gostaria mesmo que você me visse e assistisse minha vida sem eu saber.
Ver o que pode suceder quando se pactua com a comodidade da alma".
Clarice Lispector em: " Correspondências "
O livro "Correspondências" inclui 129 cartas, que cobrem quatro
décadas da vida de Clarice, dos anos 1940 até pouco antes da morte da
autora, ocorrida no Rio de Janeiro em 1977.
Clarice Lispector em: " Correspondências "
O livro "Correspondências" inclui 129 cartas, que cobrem quatro décadas da vida de Clarice, dos anos 1940 até pouco antes da morte da autora, ocorrida no Rio de Janeiro em 1977.
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