Então compreendi perfeitamente o que gerava a dor. Não
era o corte com a ponta da faca, a topada na quina da cama, o amigo que
não liga mais, o café que sujou o fogão, as palavras duras, as notícias
na tv, obviamente isso soma-se ao fardo, mas não é ele em si. A dor era
gerada pela sede insaciável do nada. Pois quando não se tinha o que
queria sofria e quando conseguia almejava outra coisa para sofrer. E é
por essa sede que os humanos consomem seus dias, pelos futuros que nunca
virão ou que serão fadados quando chegarem. E a maior idiotice era
perceber: eu também era um desses tais que nunca estava de barriga
cheia.
— Fernando Pessoa
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