Do desejo
___Maturidade num
relacionamento não é ambos olharem para o mesmo ponto e seguirem juntos
para lá, não é buscar a sintonia abrindo mão um pouco do que somos
para sermos iguais, enquanto dois, e tal. Tudo isso é romantismo
ilusório e profundamente danoso, pois
quando nos tornamos iguais, quando desejamos as mesmas coisas, quando
sonhamos pelos mesmo motivos, acabamos perdendo o desejo pelo outro.
___É
plenamente possível manter o desejo dentro do casamento, vida afora.
Não precisa ser só pela via sexual - também é mas não só -, casais que
não fazem amor há quinze dias também revelam desejo quando o marido
ajeita a gravata em frente ao espelho e pergunta à esposa: "Tá bem essa,
véia?". Não importa a resposta dela, reveladora é a pergunta, pois enquanto a opinião do outro é importante para mim é porque ele é minha referência, o outro faz parte especial de mim.
Outro
exemplo: o marido vai ao estádio de futebol, entra na fila, mas
acontecem tumultos, brigas entre torcidas, pedradas, ele pega o celular,
liga para a esposa e pergunta o que ela acha, se ele deve sair da
fila. Não importa a resposta dela, o que importa é que ele ligou para
ela, quis ouvi-la. Quando
trazemos o outro como referência em nossos momentos de angústia, isso é
desejo, porque desejo não é prazer, é ter o outro como parte especial
de si. Desejo é querer a cumplicidade daquele alguém nos
momentos-chave, seja na alegria, seja na dor.
A esposa lá se sentirá importante para ele, nem importa o que diga, o que vale é sentir o desejo do outro em escutá-la.
A esposa lá se sentirá importante para ele, nem importa o que diga, o que vale é sentir o desejo do outro em escutá-la.
Como manter a chama do desejo - há duas chaves principais para haver permanência do desejo anos a fio:
A
primeira: é que o outro precisa saber que é desejado, precisamos
sinalizar cada um a seu modo de que o outro ainda é muito importante
para nós, muitas vezes ele é mas acabamos caindo na preguiça ou na
correria dos afazeres da vida e de casa, e não dá clima para expressar
essa importância, que está lá, viva, mas imanifestada.
A Segunda: chave importantíssima é termos a coragem de encarar que não há parceiro ideal, aquele com quem sonhamos a vida inteira não existe.
O que há são os parceiros reais, pessoas com farpas e sombras, e que
vão nos machucar e nos desiludir. A magia da vida está em nos
associarmos a estas pessoas e vivermos um amor real, que nos torna
verdadeiramente humanos, pois o desejo um dia nos uniu àquele ser, sua
beleza única nos cativou, e agora o que temos na mesmice dos dias é o
desdobramento daquele ser; aquela maravilha inicial não sumiu, apenas se
transformou, e nós nos transformamos também, muitas vezes em direção
ao que não queríamos.
Transformados
pelo tempo, estamos aqui, associados, e precisamos reencontrar
significados novos na relação. Às vezes em função de metas novas que
juntos faremos, ou mesmo por causa de sonhos de um e outro
individualizados mas com a presença cúmplice do outro em nossos
caminhos. Mas há sempre como reencontrar o mistério e o sagrado do
outro nas relações longas, quando assumimos corajosamente que não há
como manter a jovialidade inicial, nem com quem está conosco nem com
mais ninguém.
Estamos
maduros para o amor quando não temos mais ilusões mas esperanças
renovadas no simples fluxo do dia a dia, quando sabemos que um dia
nosso desejo escolheu aquele Ser. Casamos sempre iludidos, ele diz, com
a esperança de que o outro é o fim de nossas buscas pelo companheiro
ideal, "este sim! agora vai"...
O
amor e a sexualidade aplacam nossa angústia de existir, a angústia
básica de sermos quem somos, de termos errado tanto conosco e com os
outros, a angústia da finitude, o aparente absurdo da morte, e nesse
sentido o psicanalista lá afirma: quanto mais angustiados, mais queremos sexo. Quanto mais equilibrados, mais queremos o outro em si...
O
grande buraco da existência, agora digo eu, a aflitiva angústia de
simplesmente termos que viver nos faz andar por aí atrás de uma outra
metade, e aí namoramos, caçamos e casamos iludidos com a esperança de
que, finalmente, não estamos mais sozinhos, de que agora temos onde
recostar a cabeça, finalmente achei você - e perdemos a nós mesmos na
grande ilusão do amorzinho terráqueo.
O amor não precisa do outro, quem necessita é o ego. O amor se compraz.
Texto Ricardo Martins